Processos Seletivos de Produto — 03. Avaliações de comportamento e fit cultural
Este post faz parte de uma série sobre como se preparar para um processo seletivo de Gerente de Produto. Confira a série completa:
- Em busca do emprego ideal
- Encontre e seja encontrado
- Avaliação de comportamento e fit cultural
- Avaliação técnica — entrevistas ou cases
Antes, uma dica importante: vários links desta série são de conteúdos em inglês. Falar inglês é essencial para PMs. A maioria dos conteúdos de qualidade está em inglês, e não acessar esses conteúdos vai atrasar bastante sua carreira.
Em todo processo seletivo, existe o momento de avaliar se existe um bom encaixe entre seu perfil pessoal (seu comportamento, seus valores) e a cultura e os valores da empresa. Em processos minimamente maduros, essa avaliação também levará em conta a área e o time de destino da pessoa contratada.
Isso geralmente é feito por alguém do RH e/ou alguém da área de Produto. Outros formatos possíveis são sabatinas com pessoas de diferentes áreas ou testes escritos complementares às entrevistas, dos quais falarei mais adiante.
É claro que a melhor maneira de se colocar em uma entrevista de cultural é ser você mesmo.
Só tem um problema:
às vezes, “seja você mesmo” é um conselho bem ruim.
O que já ouvi de candidato querendo “ser transparente e mandar a real” em entrevistas comportamentais e culturais, perdi as contas. O que eu sempre penso é: se você não consegue se esforçar para ser uma pessoa melhor e mais agradável em uma hora de entrevista, provavelmente não vai se esforçar no dia a dia também.
Entenda: não estou pedindo para você ser uma pessoa totalmente diferente, porque isso vai apenas te fazer ganhar a vaga para ser demitido depois de uns meses, o que é ruim para todos os lados.
O que você quer, em uma entrevista dessas, é mostrar a melhor versão possível de si mesmo. Seja você mesmo, mas com habilidades. A ideia é não perder a autenticidade. Considerando que PM é uma posição de liderança indireta e por influência, por que alguém ia querer ser liderado por você?
Já vou adiantando que não é fácil — e é o tipo de coisa que não dá para enganar por muito tempo. Você precisa de uma boa dose de autoconhecimento para conseguir ser sua melhor versão possível. O ideal é que você já esteja tentando ser assim todos os dias. Vai ser natural demonstrá-lo em entrevistas.
Sobre isso, deixo um conselho a entrevistadores:
Todo mundo tem defeitos. Se você quer contratar uma pessoa pelo que ela tem de melhor (porque é isso que vai trazer benefícios para o seu time), não precisa passar 90% da entrevista procurando falhas, contradições, pontos fracos.
Uma das maiores falhas de processos seletivos, especialmente para posições de liderança, é contratar pela falta de fraquezas em vez da presença de forças (habilidades) que você quer ter no seu time.
“Isso é especialmente comum quando você tem um processo de seleção baseado em consenso. O grupo frequentemente vai procurar por fraquezas do candidato, mas não vão valorizar o suficiente as áreas em que você precisa que o candidato tenha um desempenho de alto nível.”
(Ben Horowitz, The Hard Thing About Hard Things)
Então, explore o que a pessoa tem de melhor e, ao identificar os pontos fracos, limite-se a garantir que eles poderão ser atenuados ou encaminhados por boa cultura e boa liderança.
O que recrutadores querem dos candidatos?
Bom, primeiro de tudo, querem saber se você tem afinidades com a cultura da empresa.
Se você fez um bom trabalho prévio à candidatura, você já deve ter selecionado empresas com as quais acredita ter afinidade — então, é só uma questão de conquistar a reciprocidade neste caso.
Tem vários estilos de entrevista de fit cultural: desde o “fale sobre você”, abrindo o papo, até perguntas abstratas como “quanto você cobraria para lavar todas as janelas de Seattle?”
Seja qual for a abordagem, algumas coisas que gosto de avaliar:
- Sua maneira de expor suas próprias ideias
- Seu respeito pelo momento das outras pessoas falarem
- Sua forma de agir sob pressão e/ou praticamente sem insumos para responder uma pergunta.
- O tipo de dados e informações que você busca para solucionar problemas
- Sua ética e honestidade (não só moral, mas intelectual também)
- Onde você se encaixa entre “processos / rotinas” ou “criatividade / caos”?
- Onde você se encaixa entre “atropela todo mundo” e “faz questão de agir por consenso e demora uma eternidade isso”?
- Onde você se encaixa entre “competitividade” e “colaboração”?
- E por aí vai…
Eu não gosto de roteiros de entrevista, nem para processo seletivo, nem para discovery com clientes. Prefiro o formato de conversa livre, na qual eu aproveito as respostas que estou ouvindo para formular perguntas de aprofundamento.
Os itens acima são apenas alguns guias do que é importante para mim, ao entrevistar. Há outros. Uma lista justa seria infinita.
Perguntas mais frequentes
Fale um pouco sobre você
Cuidado com o tempo aqui. Um minuto é pouco, meia hora é muito. Na dúvida, pergunte, com as suas palavras: “quanto tempo temos para essa parte da conversa?” Eu faço isso porque adoro falar, mas não quero tomar o tempo da entrevista só falando do que eu gosto; quero dar tempo das pessoas perguntarem o que elas querem também. Se não me dão um tempo, eu opto pela versão resumida e, ao final, me abro para esclarecer qualquer ponto que queiram saber mais.
Fora isso, não tem muito segredo aqui, porque o que você deixar de fora provavelmente vai aparecer como pergunta mais adiante. Por exemplo: se você falar só da trajetória profissional, eu vou perguntar algo sobre sua vida fora do trabalho.
Como esta é uma pergunta muito comum, é imprescindível que você treine várias vezes essa resposta, antes, na sua casa. Não chegue sem preparo para uma questão tão óbvia!
Algo que você se orgulhe
Eu gosto de perguntar isso em entrevistas de comportamento, porque evidencia o “brilho nos olhos” e o significado que o trabalho tem na sua vida. Se a entrevista não é para o seu primeiro emprego, eu espero que você já tenha vivido a experiência de se orgulhar de algo que realizou profissionalmente, por mínimo que seja.
Não se engane pela simplicidade da pergunta. Seja qual for a sua resposta, eu vou perguntar por que você se orgulha daquilo.
O que faz você ficar / ir embora
Se você ficou pouco tempo em cada emprego, eu certamente vou querer entender o que você valoriza em seu trabalho e o que vai fazer você sair fora, então eu vou perguntar sobre suas motivações em cada troca.
Uma boa passagem por uma empresa — com cases de sucesso, experiências e aprendizados — é muito difícil de se concretizar em menos de 18 meses. Menos de 1 ano, praticamente impossível.
Também vou avaliar seu nível de comprometimento. Diante de uma insatisfação, qual a energia que você coloca em ser agente de mudança? Ou prefere procurar outro emprego e ir embora?
Significa que você tem que aguentar esse tempo todo em uma empresa que não tem nada a ver com você? Não. Se errou em aceitar trabalhar lá, dê o fora e procure outro lugar melhor. Mas se isso acontece todo ano na sua vida, eu vou ficar curioso.
Em alguns casos, se você passou entre 1.5 e 3 anos em cada empresa mas está há pouco tempo na atual e já procurando emprego, vou querer saber o que a empresa atual tem de diferente, para entender se corro o risco de decepcionar você da mesma maneira.
Como você lida com feedbacks
Faço um contínuo esforço para dar e receber feedbacks, procurando me inspirar no que a Kim Scott batizou de radical candor — o livro foi traduzido como Empatia Assertiva, mas não acho que traduz bem o conceito de que, como líder, meu papel é cuidar desafiando (ou desafiar cuidando). É impossível fazer isso sem uma cultura de feedbacks honestos, diretos e bem intencionados.
Eu certamente vou avaliar como você lida com esse tipo de feedback, tentando buscar exemplos em sua vida de situações em que você recebeu feedbacks ou precisou dá-los a alguém.
Várias empresas ainda têm uma cultura pobre em termos de feedback e não vão abordar isso na entrevista. Se você tem essa cultura, não deixe de investigar como o time / a empresa lida com feedbacks.
Como você lida com diversidade de contextos e opiniões
Independente da fase do produto, PMs precisam ter habilidades de negociação. Isso envolve uma boa dose de conciliação, mas também a capacidade de equilibrar concessões e tomada de decisões difíceis.
Não dá para fazer um bom trabalho, nesse sentido, se você não ouve e considera ativamente as opiniões das pessoas envolvidas.
Eu nunca vou perguntar diretamente a respeito, porque é o tipo de coisa que todo mundo se sentiria tentado a responder “sim, eu considero a opinião das pessoas”. Mas vou encaminhar temas, durante a conversa, que me permitam observar sutilmente a postura de um candidato em relação a esse tópico.
Como você lida com falhas e decepções
Lançar algo e não ter o resultado esperado é a coisa mais comum na vida de Produto e sequer deveria ser uma decepção. Eu espero que você saiba lidar com isso, ou talvez essa carreira não seja para você.
Mas existem decepções comuns, pelas quais você já deve ter passado, e eu vou querer saber mais sobre elas.
Apesar de erros e falhas serem comuns, existe uma outra classe de erros e falhas que, de tão evidentes que eram, poderiam ter sido evitados. Como você lida com isso também é algo que pode ser explorado ao longo da conversa.
Como se preparar?
Repare na quantidade de coisas que tem acima. Obviamente é material para uma tarde de conversa, não apenas uma hora. Como entrevistador, eu vou procurar direcionar e priorizar aquilo que parece mais importante de abordar.
Parece quase impossível passar por essa etapa, certo?
Pois não é.
Eu abri esta série de artigos falando sobre autoconhecimento e agora vou insistir no tema: é imprescindível que você se conheça em relação aos tópicos acima.
Um exercício simples é escolher 3 ou 4 itens dessas listas e se avaliar: como você é e como você entende que é o ideal.
Por exemplo, se você escolheu o item “seu respeito pelo momento das outras pessoas falarem”.
- Qual o comportamento ideal nesse quesito? Tanto interromper os outros quanto deixar todo mundo falar até que não sobre tempo para você são extremos ruins. Se alguém está dando uma informação incorreta em uma reunião e você tem a informação correta… e aí, deixa a pessoa falar ou interrompe para corrigi-la?
- Como você é em relação a isso? Tente lembrar de ocasiões em que “acertou” ou “errou” nisso, segundo seu critério.
“Ah, mas fazer tudo isso para me preparar para uma entrevista?”
Bom, você quer a vaga, não quer?
Além do mais, ainda que não consiga, sempre vai extrair um benefício enorme desse tipo de reflexão. Quanto mais você se conhece, mais segurança vai ter para responder na medida certa as questões de comportamento e fit cultural.
Então, em resumo, conheça a si mesmo e mostre sua melhor versão nessas entrevistas.
Ao final de quase toda entrevista desse tipo, você vai ouvir:
E você, tem alguma pergunta para nos fazer?
Eu sempre faço essa pergunta quando estou entrevistando. Não é uma “pegadinha”, mas é uma forma de avaliar pelo que a pessoa se interessa, em relação ao trabalho.
De novo, se você vem fazendo um bom esforço de autoconhecimento, é natural que queira usar esse tempo da entrevista para se certificar de que fez uma boa escolha ao se candidatar para essa vaga.
Mas por favor, saiba fazer perguntas!
Por exemplo, se você quer saber se o produto está cheio de débitos técnicos, não pergunte “o produto tem muito débito técnico?” Que tipo de resposta você esperaria, afinal?
Uma coisa que eu costumo perguntar para investigar isso é:
“Qual a pior parte do produto na opinião de vocês e por quê?”
Só pela expressão facial da galera já dá para sacar muita coisa. Mas se estou fazendo entrevista apenas com o RH, eu nem pergunto isso, porque dificilmente essa área vai ter a informação que estou buscando.
Se você quer saber o que as pessoas valorizam de verdade em termos de comportamento, perguntar isso diretamente também é pedir para receber enrolação como resposta. No lugar, sugiro:
“Pensando na última pessoa que saiu da empresa e que você(s) sente(m) falta… por que essa pessoa faz falta?”
Saber perguntar é uma arte. Eu sempre vou avaliar essa capacidade em Gerentes de Produto! Então, recomendo que você elabore uma ou duas perguntas inteligentes para fazer nesse final de entrevista.
Obviamente, se você usar meus exemplos acima, recomendo que me dê o crédito. Vai que a pessoa do outro lado também leu este artigo… ;)
Pedindo feedbacks
É muito raro uma empresa dar feedbacks de entrevistas de cultura. Ou porque o volume de entrevistados é muito alto, ou porque elas não querem “dar o gabarito” da entrevista, ou porque o recrutador não sente que tem intimidade para falar da sua conduta.
Seja como for, eu recomendo que você peça feedbacks. Na pior das hipóteses, não vai obter. Mas vai que encontra alguém disposto a ajudar?
Bônus: testes de perfil psicológico
É comum as empresas aplicarem, em algum ponto do processo, algum teste de perfil psicológico.
Eu gosto bastante do Myers-Briggs, porque foi o que mais “acertou” a meu respeito. Quase empatado com ele, está o Human Guide, que também é excelente. Também já fiz o DISC, mas não achei que o resultado refletiu bem quem eu sou. Tem dezenas de outros.
Não existe um jeito claro de “hackear” nenhum deles — e, na verdade, não existe nenhum benefício em tentar. Siga as instruções, faça os testes e confie no fato de que, se você tem o que a empresa está buscando para a vaga, o teste vai ser apenas um reflexo disso.
Para encerrar, quero ressaltar que eu levo muito a sério a etapa de avaliação de comportamento e cultura. Tendo a ter simpatia por empresas que pensam da mesma maneira.
Se você não passar dessa etapa, não se desespere.
O objetivo dela é garantir um bom ajuste entre candidato, desafio da vaga, futuro líder e empresa. Você é apenas uma parte dessa equação, e uma reprovação pode significar apenas que o ajuste entre os termos não era adequado.
Para quem está começando ou quer começar na área de Produto, vale reforçar o convite para a Product Starter. ;)
Quer ler o próximo artigo da série? Já está publicado: